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A New Bond Street, em Londres, é famosa em todo o mundo como a
rua das compras. Peles caras, jóias mais caras ainda, roupas
masculinas da moda, móveis modernos e antiguidades caríssimas enchem
as vitrinas das lojas sofisticadas; há de tudo, do antigo e do
moderno, do artístico e do funcional, do estético e do prosaico. A
apenas algumas centenas de metros, o burburinho da Oxford Street, a
rua das grandes lojas.
Seria possível trabalhar a vida inteira em New Bond Street e não
tomar conhecimento da existência da Lancashire Court: Esta pequena
rua, que é uma espécie de escoamento da New Bond Street, não
passa de um beco sombrio e úmido, bastante abafado e bolorento. Há
nessa ruela algumas cabinas de telefone público em que, após o
escurecer, podem-se ver as prostitutas combinando os seus
"negócios" à luz das luminárias. Sente-se o cheiro de comida que
se desprende das cozinhas dos restaurantes por perto.
É para este canto sujo de Londres que muitas jovens vão quando estão
"pechinchando" aborto. Esgueiram-se furtivamente da massa humana
que caminha pela New Bond Street e apertam a campainha de uma porta
velha, trancada, de uma casa de aparência sombria: A "London
Nursing Homes, Ltd".
Seguimos o mesmo caminho, apertamos a mesma campainha, e ouvimos a
mesma voz feminina perguntar com aspereza, através do interfone, o
que é que nós queríamos. Dissemos que tínhamos vindo atendendo a
um anúncio publicado no jornal Evening Standard de Londres, sobre
testes de gravidez. A porta abriu-se automaticamente, por controle
remoto, e subimos a escada estreita, que rangia aos nossos passos,
até o primeiro andar, como tínhamos sido instruídos.
A "recepção" era uma sala minúscula, que dava claustrofobia,
mobiliada apenas com uma mesinha e duas cadeiras. Uma jovem, que
descobrimos depois chamar-se Sue Maxwell, estava sentada atrás da
mesa. Trajava um avental branco e usava óculos de aro. de metal.
Interrompeu sua conversa com uma mulher de cor e disse-nos que
passássemos para uma sala contígua, onde ela conversaria conosco logo
em seguida.
Esta sala era um pouco mais espaçosa e parecia a sala de espera de um
médico ou dentista de um bairro de classe média. Havia as
tradicionais revistas velhas, panfletos sobre todos os aspectos
possíveis de anticoncepcionais, arquivos de metal, cadeiras
"confortáveis", uma mesa de executivo, e nas paredes pósters que
admoestavam os homens - considerados como inimigos - a terem mais
cuidado em suas andanças noturnas.
Ficamos a sós durante mais ou menos dez minutos. Então a Sra.
Maxwell entrou e sentou-se numa cadeira ao nosso lado. Era uma
mulher magra, desarrumada, de aspecto libertino, na casa dos vinte
anos, com aparência esgotada e pálida, como se o marido não a
deixasse dormir todas as noites.
Perguntou o nosso nome e endereço. Demos-lhe nomes e endereços
falsos. A mulher não mostrava nenhum interesse em certificar-se se
estávamos dizendo a verdade. Descobrimos logo que as pessoas que
trabalhavam na "interrupção da gravidez" - para usar o eufemismo
deles - não tinham nenhum interesse em conhecer realmente a identidade
das mulheres que levavam para as fábricas de anjos.
A Sra. Maxwell estava interessada era em saber como tínhamos sido
informados sobre a sua agência. E nos disse sorrindo: "Gostamos de
ver como funcionam os nossos anúncios". Aquele riso repugnante,
virtualmente um escárnio, com o qual nos deparamos inúmeras vezes,
ficou gravado para a posteridade na fita do gravador que se encontrava
dentro da bolsa de Sue Kentish.
Sue Kentish entregou à Sra. Maxwell o vidro com a urina para o
teste. Minutos depois ela voltou, declarando com um sorriso:
"Lamento. É positivo". Riu de novo, com certeza pensando que
Sue Kentish não estava grávida, como de fato nunca estivera.
Perguntamos-lhe se ela nos poderia ajudar de algum modo. Não
mencionamos a palavra aborto. O anúncio era sobre testes de gravidez
e consulta médica. Por isso pedimos conselho e a resposta imediata da
Sra. Maxwell foi: "Sim, podemos ajudá-los, Não querem um
filho agora?"
Confirmamos que não queríamos e ela nos pediu que a seguíssemos para
uma sala menor. Aí, sentou-se à sua mesa, e travamos o seguinte
diálogo:
Kentish: "Posso fumar?"
Maxuel: "A vontade. Eu também vou fumar".
A Sra. Maxwell tirou alguns papéis da gaveta da sua escrivaninha e
estudou-os por alguns segundos.
Maxwell: "Posso dar-lhe todas as informações. A única coisa
que não posso garantir hoje é a data certa da consulta. Suponho que
vocês querem resolver o problema o mais cedo possível, não é
verdade?"
Ela já estava dando garantias e fazendo promessas, embora não
tivéssemos ainda falado com nenhum médico, nem lhe tivéssemos dado
nenhuma razão de querer um aborto, nem lhe termos pedido que nos
orientasse neste sentido.
O aborto na Inglaterra é ainda ilegal, se não for realizado por uma
razão válida, segundo o previsto na Lei do Aborto de 1967. É
dever de qualquer pessoa que se oferece para orientar outras,
instruí-Ias sobre o aborto, e procurar investigar plenamente cada
caso particular, antes de condenar um feto vivo e em desenvolvimento à
incineração. Legalizado, é um comércio bastante sujo. Quanto
mais degradado por uma atitude inescrupulosa, que reduz os nascituros
ao estado de crianças de gelatina!
Maxwell: "Se vocês quiserem mais tarde ter filhos, a operação
não impede em absoluto que a Sra. conceba. Pelo contrário, a
tendência é a mulher ficar mais fértil".
Agora ela está realmente vendendo o seu peixe.
Litchfield: "Somos casados e não queremos filhos no momento".
Maxwell: "Claro, eu compreendo. Eu também".
Riu de novo desta vez uma risada gostosa e limpou o nariz com os
dedos. Havia nela algo tão sem lógica e sem gosto e ao mesmo tempo
tão sujo que por dentro nós trememos.
Litchfield: "Atrapalharia nossa vida social, atrapalharia tudo".
Era nossa última isca. Parecia impossível que um ser humano,
ouvindo umas palavras tão escandalosas, não nos jogasse no olho da
rua na mesma hora. Com os termos mais claros possíveis estávamos
dizendo sem rebuços que nossa vida social era mais importante que uma
vida humana. Pode-se imaginar uma coisa mais ofensiva a pessoas de
sentimentos normais e humanos? Procurávamos dar-lhe a impressão de
que éramos um casal de classe média alta, com todas as facilidades
materiais para oferecer a uma criança, sem nenhum preconceito nem
problemas, com respeito à Lei do Aborto. Por outras palavras,
estávamos querendo dizer: "O caso é que não queremos um filho.
Não temos nenhuma razão para abortar. Mas é isso que nós
queremos! O que a senhora nos aconselha?"
Maxwell: "Certamente. Então vocês pensaram bem nisto, não?"
Litchfield: "Se não houver problema e se puder ser feito com
facilidade..."
Maxwell: "Não, não. Não é exatamente isto".
Kentish: "E por quanto sairá?"
Maxwell: "Não sei exatamente quanto será. Custará entre oitenta
e cem libras. Não passará de cem. Portanto, por segurança,
vocês devem trazer cem libras. E no ano seguinte poderemos fornecer a
vocês anticoncepcionais, inteiramente grátis. Além disso, vocês
não pagarão mais consultas ginecológicas, testes de câncer e coisas
semelhantes. Temos um especialista na Harley Street para atender
vocês. Não lhes cobraremos a taxa anual de três libras e meia.
Nada! Geralmente as pessoas que se tornam sócios regulares daqui
pagam três libras e meia, mais o custo das pílulas e amostras para
exames. Vocês não terão mais de se preocupar com isto, e o médico
é excelente. Realmente famoso".
Litchfield: "E será feito num lugar decente?"
Maxwell: "Num lugar muito bom. Aliás, ela será examinada por
dois ginecologistas antes de se submeter à operação e eles é que
irão dar a palavra final. Não estou em condições naturalmente de
afirmar que tudo correrá bem, mas posso dizer-lhe que pode vir
preparada para fazer a operação no mesmo dia".
Kentish: "Baseados em que eles podem não realizar a operação?"
Maxwell: "Bem . . . hum . . . se vocês são casados . . .
hum.. . há quatro cláusulas diferentes... hum... é provável
que. . . vou buscar o formulário e mostrar a vocês. . . "
Ela deixou a sala e foi buscar o formulário oficial do aborto, de cor
verde.
Maxwell: "Vejamos a cláusula 2... Como vocês estão vendo,
refere-se a danos à saúde física e mental da futura mãe. Talvez.
Não sei qual eles vão querer. Mas provavelmente esta, imagine. É
legal. Como vocês sabem. Não há motivos para preocupações".
Litchfield: "É melhor que digamos a razão pela qual queremos a
coisa, ou . . . "
Maxwell, interrompendo: "Provavelmente eles perguntarão a vocês e
se disserem que não querem filhos, bem, eles são muito bons,
realmente bons. Se não quiserem mesmo ter filhos, basta isto para
eles. E ajudarão vocês com uma das razões. Não sei que cláusula
eles vão escolher".
Litchfield: "Estava preocupado exatamente com o fato de sermos
casados".
Maxwell: "Não, não. Se vocês forem a um clínico geral e
procurarem fazer um aborto com os médicos da Saúde Pública, seria
totalmente diverso. E não só. Teriam também de esperar muito.
Tivemos clientes que nos procuraram depois de esperarem quatro ou cinco
semanas".
Kentish: "Quanto tempo terei de esperar?"
Maxwell: "Bem, no seu caso, na próxima segunda-feira ou, posso
garantir, na terça". Consultou uma agenda enorme. "Realmente,
segunda-feira não é possível. Se vocês quiserem fazer no fim de
semana, talvez possamos arranjar, mas só poderei ter certeza
amanhã".
Litchfield: "Onde será feita a operação?"
Maxwell: "Atualmente, em Langham Street. Havia uma clínica
nesta rua, mas foi fechada há pouco tempo. Geralmente as pessoas
ficam horrorizadas quando falamos que é nesta rua". Isto foi outro
pretexto para ela soltar uma gargalhada. "É a London Private
Nursing Home. Lá você ficará em quarto particular, com
telefone, horário de visita, e será tratada muito bem por todo,.
Lá você consultará o ginecologista e ele fará tudo no mesmo dia.
Passa a noite e tem alta na manhã seguinte, no máximo até nove
horas. E vai sentir-se muito bem. Deve ir preparada. Leve todas
as suas coisas para passar a noite e não coma nada na noite
anterior... a partir da meia-noite. Vou dar-lhe um destes
folhetos para você levar. Nele estão todas as informações
pormenorizadas".
Litchfield: "Devo levar o dinheiro quando for lá?"
Maxwell: "Sim. E eles querem o pagamento em dinheiro". Essas
palavras foram seguidas por risadas de contentamento. "Eles
costumavam aceitar cheque, mas havia tan.
tos cheques sem fundo que agora é norma geral não aceitarem mais
cheque".
Litchfield: "E não haverá nenhum risco em fazer uma operação
nessa fase da gravidez?"
Maxwell: "Ora, nenhum!"
Não é verdade. Há sempre risco em toda operação cirúrgica em
que se aplica anestesia geral.
Litchfield: "Qual é a fase mais avançada da gravidez em que vocês
fazem operações?"
Maxwell: "Vinte e duas semanas".
Litchfield: "Então ela está dentro do limite?"
Maxwell: "Sim, isso é ótimo! ótimo! Você não precisa se
preocupar. Ele lhe fará muitas perguntas e a examinará
completamente. Sempre confirmam nossos testes com exames. Está
bem?" .
Litchfield: "Pode-se fazer depois de vinte e duas semanas?"
Maxwell: "Não sei. Suponho que já se fez. É terrível!"
Kentish: "A Sra. também é casada, pode me entender".
Maxwell: "Sim".
Kentish: "A Sra. já fez aborto? Como é?"
Maxwell: "Fiz um aborto há muito tempo, quando tinha dezoito
anos, não foi aqui, foi na Austrália. Usavam um método
semelhante, por sucção com anestesia local e não geral".
Kentish: "Você não perdeu a consciência?"
Maxwell: "Não".
Kentish: "Doeu?"
Maxwell: "Por incrível que pareça, não doeu. Dá uma
sensação desagradável, mas não dói em absoluto. A gente não
sente nada. Você não fica sabendo de nada". Sorriu mais. "O
que vai acontecer é que depois da operação haverá uma ligeira
hemorragia durante alguns dias. Nada especial. É, como se fosse
menstruação normal. Muitas mulheres fazem operação no fim de
semana, no sábado, permanecem na clínica durante a noite, e voltam
a trabalhar na segunda-feira. É ótimo. A Sra. prefere fazer no
sábado?"
Kentish: "Para mim não há dificuldade. Não temos nenhum
compromisso neste sábado. Temos?"
Litchfield: "Não sei bem, mas preferiria depois do fim de
semana".
Poder-se-ia pensar que nós estávamos combinando uma partida de
bridge para o fim de semana. Entretanto, este diálogo simples,
prático, desapaixonado e clínico estava marcando o tempo, o lugar e
o executor para destruição da vida de uma criança que deveria
nascer.
Maxwell: "Então podemos combinar para depois do fim de semana?"
Kentish: "Parece que realmente nós temos alguns compromissos de
visitar uns amigos neste fim de semana".
Maxwell: "Está bem. Que tal terça-feira?"
Litchfield: "Sim, é um dia bom".
Kentish: "Estava pensando na segunda-feira para não ter de lavar a
roupa! Era uma maneira de me livrar disso".
Maxwell deu uma risada rouca: "Seria bom. Porém é mais provável
que seja na terça-feira".
Neste ponto, Sue Kentish pediu licença e foi ao banheiro trocar a
fita do gravador. Enquanto Sue Kentish estava ausente da sala, a
Sra. Maxwell disse que o aborto era uma boa forma de contracepção
para moças que não podiam usar a pílula. Essas palavras eram tão
infames e irresponsáveis que demos um jeito de fazê-la repeti-Ias
para que nós a gravássemos - e ela acedeu depois que Kentish
voltou.
Litchfield: "A Sra. Maxwell estava me dizendo que se você não
se dá bem com a pílula não há razão por que você não possa ter um
novo aborto".
Maxwell: "Você estava preocupada pensando que não poderia mais
conceber depois do aborto?"
Litchfield: "Sim ela estava. Nós também pensávamos que não era
bom fazer mais de um".
Maxwell: "Oh, não, não!" Aqui também estamos diante de uma
opinião totalmente em contradição com a afirmação dos médicos.
Esta agência, que se anuncia como um serviço de consulta de
gravidez, expõe como dogma idéias contrárias a afirmação dos
médicos, as quais, se fossem seguidas, provocariam danos físicos e
mentais permanentes.
Kentish: "É ótimo que se encontre sempre uma saída, não é
verdade?"
Maxwell: "Claro, realmente. E tudo aqui é altamente
confidencial. Ninguém jamais saberá de nada".
É estranho realmente que as pessoas tenham vergonha de cometer um
aborto, embora tudo tenha sido legalizado! Ninguém sente remorso nem
fica com complexo de culpa porque dirigiu dentro dos limites de
velocidade. Noutras áreas ninguém diz: "Procedi bem hoje e cumpri
a lei, mas, por favor, não deixe que ninguém saiba". Não será
que, qualquer que seja a lei, a consciência da mulher lhe está
dizendo constantemente que o aborto é fundamentalmente mau? A mesma
consciência, que a desperta altas horas da noite, banhada de suor, a
consciência que a enche de preocupação ao ouvir um choro de
criança, é a consciência que torna sempre mais convidativo um frasco
de barbitúreos todas as vezes que retorna o aniversário do aborto!
Litchfield: "Devemos ir à clínica ainda hoje?"
Maxwell: "Não, não. Não se preocupem com isso. Só no dia.
Peço-lhes apenas que me telefonem amanhã de manhã para eu marcar a
data e confirmar a hora. Verei vocês novamente quando voltarem aqui
depois da intervenção, para ver se está tudo bem".
Kentish: "Então é certo que eles vão fazer?"
Maxwell: "Sim! Acho que eles vão assinar. Estou certa que sim.
Como já disse, não poderia dizer a vocês com toda a certeza que vai
sair tudo bem, mas sei que dará tudo certo. Eles só recusam uma
pessoa por razões muito graves. Mas eu não me preocuparia muito com
isto".
Kentish: "De noite todos os gatos são pardos, não?"
Maxwell: "Sim. Vocês voltarão aqui, para ver se tudo correu
bem, depois de seis semanas. É o que se costuma fazer após qualquer
operação. Em seguida terão de voltar aqui de seis em seis meses".
Kentish: "E, quanto lhe devemos?"
Maxwell: "Bem... Pelo teste de gravidez apenas uma libra".
Entregamos uma nota de uma libra à Sra. Maxwell, a qual perguntou
depois de receber o dinheiro: "Têm mais alguma pergunta?"
Kentish: "A Sra. sabe quem vai fazer a operação?"
Maxwell: "Não sei exatamente que médico será. Mas será um dos
ginecologistas que trabalham aqui. Não são médicos de clínica
geral, são especialistas".
Então, nos despedimos.
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