II

OS MÉDICOS



"SIM! VOCÊ ESTÁ GRÁVIDA!"

A entrada do edifício da Harley Street, n. 144, em Londres, não poderia ser mais imponente. Uma majestosa escadaria imaculadamente limpa e cheirando fortemente desinfetante perfumado, levava a uma porta sólida, dupla. Grades pintadas de preto partiam de cada extremidade dos degraus e continuavam em ambas as direções, até as portas vizinhas.

Esta parte antiga e histórica de Londres pouco mudou com os anos, embora as pessoas que lá trabalham estejam muito distantes das gerações passadas de médicos especialistas que tornaram a Harley Street famosa em todo o mundo, em todas as línguas, em todos os continentes e em todos os dialetos. O seu renome através dos anos era devido tanto à sua ciência médica, quanto à sua ética, moralidade e honestidade. Agora, temo que não seja a mesma coisa. Uma velha guarda mantém-se firme, embora muitos, como um velho pergaminho amarelecido pelo tempo, mostrem sinais de cansaço e decadência. Dentro da Harley Street surgiu uma geração nova e inquietante de profissionais: são aqueles que querem enriquecer o mais rápido possível e não se preocupam muito com os meios de adquirir fortuna, mesmo às custas do seu código de moral, de sua consciência e dos corpos e das almas dos outros.

O portão maciço do número 144 era decorado com brilhantes chapas de latão, dando-lhe um aspecto imponente. Uma das placas trazia o nome do Dr. Maurice Shoham. Tinha-nos mandado ao Dr. Shoham o Sr. Thomas Pond, de "Ladycare".

Quando tocamos a campainha havia uma fila de táxis que subia a Harley Street. Tinham de parar no meio da rua porque os estacionamentos ao longo da calçada estavam todos ocupados por Rolls Royces, Bentleys ou Mercedes, ou outros carros, mas nenhum deles inferior a um Jaguar. Na extremidade da Harley Street o tráfego estava congestionado, porque a hora do rush vespertino tinha começado cedo.

Uma mulher vestida de branéo, que poderia ser uma enfermeira ou simplesmente uma recepcionista, abriu a porta. Um de nós falou: "Desejamos fazer uma consulta com o Dr. Shoham".

"A primeira porta à direita", disse ela secamente e esgueirou-se para as sombras além da escadaria.

Atravessamos uma enorme sala de espera. Embora mobiliada com muito gosto, com peças de estilo e não se pudesse dizer que estivesse vazia, a sala tinha uma atmosfera espartana. Era uma casa com dupla personalidade: havia o conforto do passado e a austeridade do presente. Subimos as escadas e ao fazermos isso tínhamos a sensação de estarmos seguindo milhares de passos, milhares de pessoas preocupadas e de almas angustiadas que pediam palavras de esperança, conforto, segurança, que buscavam a cura para a alma e para o corpo. Eram as pessoas de outrora. Nós fazíamos parte de uma nova peregrinação. Estávamos procurando alguém que por dinheiro matasse uma criança que ainda não tinha nascido, uma criança ligada ainda ao seio materno, pela placenta que a alimenta. Que espécie de homem iríamos encontrar?... Estes eram os nossos pensamentos quando os nossos pés se afundavam no tapete da escadaria, já bastante gasto.

A porta do Sr. Shoham estava aberta. Ele estava só, sentado atrás da sua escrivaninha que ficava na extremidade de uma sala ampla e pouco iluminada. A sala era um consultório típico de clínica geral: a tradicional divã cama de consultório, um biombo, um aquecedor a gás, estetoscópios, lâmpadas, armários, papéis e carimbos de borracha. Tudo tinha um aspecto de coisa velha. Tinha-se a impressão de que milhões de corpos e almas tinham sido postos a nu sobre aquele divã.

Dr.. Shoham, baixo e gordo, nos seus cinqüenta anos, de cabelos brancos, óculos de tartaruga, sorriu quando nós entramos. Levantou-se e deu-nos a mão por sobre a escrivaninha. Aproximamos nossas cadeiras e ele juntou os papéis que estavam espalhados sobre a escrivaninha. Seu sorriso era franco, acolhedor. Sob muitos aspectos parecia ser um homem benigno e gentil. Havia na sua figura um calor humano, pelo menos superficial, talvez não muito sincero, mas de qualquer modo era um homem afável.

Entregamos-lhe a carta do Sr. Pond que declarava o impossível, isto é, que Sue estava grávida.

"Sim... Bem... Realmente eu não preciso disto", disse recebendo o material. "Estas agências apenas recomendam aonde as pessoas devem ir. Eu, porém, preciso de algumas informações de vocês, para ver como poderei ajudá-los". Fazendo outra pergunta a Litchfield, disse: "Creio que você é o namorado, não?"

Litchfield: "Exatamente. Moramos juntos".

Dr. Shoham: "Entendo". E em seguida, dirigindo-se a Sue: "A Sra. já foi examinada por algum médico?"

Sue: "Não".

Dr. Shoham: "A Sra. não foi ainda examinada internamente ou coisa parecida?"

Sue: "Não".

Dr. Shoham: "Então, a melhor coisa é fazer um exame geral para vermos em que ponto você está. Estou certo de que está grávida. Trata-se de saber de quanto tempo. A Sra. sabe que se estiver grávida de mais de dezesseis semanas, a coisa não será tão simples assim. Não bastará uma simples intervenção. Será uma intervenção dupla, o que significa que terá de passar dois dias no hospital em vez de um".

Aqui também ninguém tinha ainda mencionado a palavra "aborto". Entretanto, o Dr. Shoham tinha como certo que as pessoas que o consultavam só tinham uma finalidade: matar uma criança. Realmente, um modo muito trágico de ganhar a vida.

Dr. Shoham: "De qualquer modo vamos ver. Vou examiná-la e lhe direi logo se está ou não adiantada a sua gravidez".

Sue: "O Sr. vai me fazer um exame por dentro?"

Dr. Shoham dando uma risadinha: "Acho que sim. A Sra. está muito preocupada com isto, não está? Não vai doer nada, garanto-lhe. A Sra. está sentindo vergonha? Bem. Seu namorado pode ficar do lado de fora. Leva apenas dois minutos. É importante, acredite. Não posso enviá-la a um cirurgião sem lhe dizer o estado de sua gravidez. Ele pensará que eu não estou desempenhando bem a minha função. Bem, depende da fase em que a Sra. esteja. Mas naturalmente, qualquer que ela seja, haverá um jeito. A Sra. sabe que se for uma intervenção dupla ficará mais caro, porque terá de ficar mais tempo na clínica".

Litchfield: "Quanto tempo se deve esperar antes da operação?"

Dr. Shoham: "Bem, se pudermos conseguir que ela consulte o cirurgião hoje, poderemos reservar um leito para esta semana".

Litchfield: "Será longe daqui?"

Dr. Shoham: "A maior parte das clínicas é em Londres, bem no centro. Há uma ou duas nos subúrbios. As do centro de Londres normalmente cobram cem libras. As dos subúrbios e as do interior, como Brigton, cobram oitenta libras. Mas acho que não vale a pena ir a estas clínicas porque ficaria mais caro em virtude das despesas de hotel".

Deu novamente outra risadinha.

Litchfield: "Onde Susan poderá ir?"

Dr. Shoham : "Depende do cirurgião para o qual eu a enviar. A maior parte dos meus pacientes eu os envio a 'Avenue Clinic', Regent Park, que é uma clínica muito boa e muito bonita. Alguns vão para 'Welbeck Clinic', que é um pouco afastada de Harley Street. Geralmente são estas as duas clínicas com as quais eu trabalho.. Sei que são ótimas. Isso é o que importa. Agora, tenha a bondade de tirar o casaco e deitar-se".

Litchfield: "Estava um pouco preocupado pensando que Sue não tinha motivos suficientes para fazer aborto".

Estas eram as palavras que iriam descobrir com certeza se o Dr. Shoham estava cumprindo a lei, procurando averiguar com seriedade cada caso em particular, para se certificar de que a mulher que está procurando o aborto tem motivos suficientes de acordo com uma das quatro cláusulas da lei.

Dr. Shoham: "Bem, como trabalhamos particularmente, não rejeitamos nenhum caso. Pensamos que se uma mulher quer interromper a gravidez, ela já tomou uma decisão que não pode ser mudada".

Isto não tem importância. Segundo a Lei do Aborto depende do médico, não da mulher, decidir se os motivos são suficientes ou não. Ele continuou: "Geralmente encontramos casos de mulheres casadas que estão grávidas... Não querem a criança porque desejam comprar um aparelho de televisão ou coisa parecida. Então eu não aprovo. Não vale a pena fazer uma intervenção, neste caso. Porém, geralmente, quando os dois não são casados, acho que é muito mais prudente resolver o problema, havendo possibilidade".

Litchfield: "Cem libras não é muita coisa, em todo caso..."

Dr. Shoham: "Penso que é uma taxa razoável: Antes era mais caro. O problema é que se tem escrito muito sobre o que acontece em Harley Street, e nem sempre tudo é bom. Infelizmente as mulheres caem em mãos inescrupulosas e pagam preços exorbitantes. Sei de casos em que cobraram quatrocentas, e até quinhentas libras. Porém, a maioria destes exploradores já foram virtualmente expulsos do meio. Houve um ou dois médicos que eram verdadeiros patifes. Mas não somente os médicos, também os intermediários. `Ladycare' é uma boa organização. Todos eles trabalham com muito boa fé. É o estabelecimento mais antigo. Tratam basicamente de gravidez e não cobram nada além do teste, pelo menos é assim que eu penso. Apenas orientam, o que é muito digno de louvor. Mas algumas destas agências cobram cerca de trinta libras só para indicar o nome de um médico que a pessoa deve consultar. Isto é uma verdadeira extorsão.

As taxas normais são agora de oitenta a cem libras para a gravidez no começo. É o que cobram os médicos particulares. Não temos certeza se a sua gravidez está no começo. Espero que sim. A Sra. não está ainda pesada".

As palavras do Dr. Shoham não nos surpreendeu, porque Sue nunca engravidara na vida!

Neste entretempo, Sue deitara para ser examinada. O Dr. Shoham foi para trás do biombo, apalpou o abdômen de Sue e fez um exame vaginal. Foi tudo questão de segundos. Nós estávamos preparados - e como! - para ouvir o Dr. Shoham dizer que Sue não estava grávida. Apesar da sua disposição de burlar a lei sob outros aspectos, pensávamos que era inconcebível que um médico da Harley Street preparasse um aborto para uma mulher que não podia estar grávida.

É realmente incrível que o Dr. Shoham nem notou em nosso rosto a admiração e a surpresa ao ouvi-lo sentenciar: "Sim, a Sra. está grávida. Mas a sua gravidez não passa de dez semanas. A Sra. provavelmente ficou grávida dentro das últimas dez semanas. A gravidez está ainda bem no começo e podemos arranjar tudo muito rápido".

Falando apenas com Sue, disse: "Agora você tem de ficar uma noite no hospital. O processo é assim: você entra no hospital ou numa clínica pela manhã, opera-se provavelmente à tarde, e permanece lá durante a noite. Na manhã seguinte vai para casa".

Sue: "E não terá conseqüências?"

Dr. Shoham : "Não. Não haverá nenhuma conseqüência. Em casos como este, é absolutamente seguro. Desculpe, quer um cigarro?" Estendeu-lhe um maço de cigarro Player n. 6, com filtro, e continuou: "Não, não haverá nenhuma complicação. Você terá uma hemorragia como numa menstruação comum, logo em seguida, e poderá voltar a trabalhar no dia seguinte. Não há nenhuma razão por que não possa voltar ao seu trabalho no dia seguinte. Naturalmente é aconselhável descansar um dia. Mas se tiver muita coisa que fazer, pode trabalhar".

Litchfield: "Será que podemos fazer isso o mais rápido possível?"

Dr. Shoham: "Bem. O caso é que devemos enviar a Sra. ainda para um ginecologista, para ser examinada por ele. E esta hora do dia não é muito própria para por-nos em contato com ginecologistas e cirurgiões".

Sue: "Eles trabalham à tarde?"

Dr. Shoham: "Sim. Geralmente eles operam. à tarde. Infelizmente dois deles estão de férias. Duas outras pessoas que trabalham comigo também estão fora esta semana, mas só esta semana. Voltam. segunda-feira. Mas naturalmente não há muita pressa. Então, vou fazer o seguinte. Enviarei a Sra. à secretária do médico, e ela marcará uma hora para vocês na próxima semana. Está bem? É bem pertinho daqui".

Sue: "Então podemos arranjar tudo para a próxima semana?"

Dr. Shoham: "Claro".

Litchfield: "Temos que assinar algum papel?"

Dr. Shoham: "Eu assino os papéis". Em seguida, deu um telefonema. "Espero que a secretária esteja", disse enquanto esperava que alguém atendesse. Alguém atendeu. "Alô. A Sra. Friedman está? Ela voltará às quatro e quarenta e cinco. Tem certeza? Veja, quero mandar-lhe uma paciente. O Dr. Sachs não voltou ainda? A Sra. sabe quando ele vai voltar? Segunda-feira? Quer dizer a ele que vou mandar-lhe uma paciente? Sou o Dr. Shoham. Muito obrigado. Tchau". Colocou o telefone no gancho e nos disse:

"Ótimo. Assim ganhamos tempo. Ela pode arranjar tudo para você, inclusive fazer a reserva do leito".

Litchfield : "Em que clínica será?"

Dr. Shoham: "A 'Avenue'. É a melhor clínica. Agora vocês devem procurar a secretária deste cirurgião. É na próxima rua, em Devonshire Place. Devo preencher alguns formulários".

O Dr. Shoham tirou o formulário oficial de aborto, de cor verde. Assinou-o e carimbou-o duas vezes... Dois gestos terríveis que iam condenar uma criança à morte.

"Este é o formulário oficial do ministério", explicou o Dr. Shoham. "É tudo confidencial. Nada será publicado. Leve com-você quando for ter com o cirurgião. Ele é que o vai expedir. Suas condições gerais de saúde estão excelentes. Você tem alergia à penicilina, ou coisa semelhante? Sabe qual é seu grupo sangüíneo? Colocarei no papel que ao examiná-la, o tamanho do útero correspondia ao de oito a dez semanas de gravidez". Ele estava escrevendo uma carta ao Dr. Sachs.

"Bem, vou dar-lhe o meu cartão. Se tiver algum problema sobre controle de natalidade... Você normalmente toma pílula receitada pelo seu médico, não é verdade?"

Sue: "Não. Receitada pelo médico da 'Family Planning Association' (Associação de Planejamento Familiar)".

Dr. Shoham: "Ah, sim. A FPA. Eles são muito bons. São os melhores. Dirijo a FPA de Baker Street. Está sob a minha responsabilidade".

Litchfield: "E os aspectos financeiros?"

Dr. Shoham: "Bem. Você vai pagar um total de cem libras ao hospital. Ou então o cirurgião lhe dirá o que deve fazer um dia antes da entrada na clínica. É só isso. Eu cobro uma taxa de seis libras".

Sue: "Pensei que o formulário era assinado por dois médicos".

Dr. Shoham: "Sim, o médico que vocês vão consultar na segunda-feira, o Dr. Sachs, é cirurgião. Dois médicos têm que assinar, e um deve ser cirurgião. Você consultará um primeiro, e este sou eu, e depois irá consultar o cirurgião".

Sue: "Ele vai querer também :fazer um exame interno?"

Dr. Shoham: "Acho que sim. É uma pessoa excelente. Um tipo muito simpático. Não somente deve ver o tamanho do útero, mas também vai dizer a sua forma. Depois de tudo é ele mesmo que vai fazer a intervenção e deve saber o que .está fazendo... Veja, trata-se do Dr. Martin Sachs, de Devonshire Place, n. 8. É à esquerda da rua principal. É, melhor não ir de carro. O seu carro está estacionado? Eu o deixaria onde está. Não procuraria estacioná-lo nas imediações. Bem, aqui está a sua carta e é tudo o que eu posso fazer para vocês".

Litchfield: "Devo pagar-lhe agora?"

Dr. Shoham : "Como preferir". Litchfield contou seis notas de uma libra. "Muito obrigado. Está certo. Agora não se preocupe. Estão em boas mãos. Verão que é tudo muito simples".

Sue: "Não estou preocupada".

Dr. Shoham: "É realmente um processo muito fácil. A Sra. está preparada. Até logo".

Com isso nos despedimos.

Não fomos à clínica do Dr. Sachs. Mas conservamos a carta e o formulário de aborto assinado, como prova documentária.

A carta dizia: "Prezado Dr. Sachs, esta senhora ficou grávida contra a sua vontade e o exame revelou que o tamanho do útero é de uma gravidez de oito a dez semanas. Ela encontra-se num estado de depressão nervosa (que mentira! que malandragem!) e deverá, segundo a minha opinião, fazer um aborto, de acordo com a cláusula dois. Atenciosamente, Dr. M. Shoham".

Pode-se imaginar maior hipocrisia? Como é que um médico sério poderia diagnosticar "depressão nervosa" diante dos comentários de Sue e de sua atitude? Deliberadamente nós dois sempre assumimos ares de despreocupação e indiferença, para que ninguém de boa fé pudesse considerar Sue apta para fazer aborto -mesmo se ela estivesse grávida, o que ela não estava.

Um dos aspectos mais repelentes é que o Dr. Shoham estava disposto a autorizar uma operação para alguém cuja identidade ele realmente não conhecia e cujos antecedentes médicos ignorava completamente. Ela usou nome falso. Poderia ter morrido em . conseqüência da cirurgia, sem que ninguém soubesse a verdadeira identidade da vítima. Ela poderia ter antecedentes clínicos que poderiam tornar a operação altamente perigosa. Entretanto o Dr. Shoham estava disposto a acreditar na sua palavra de que estes antecedentes clínicos não existiam. A operação não seria registrada na sua ficha médica, de modo que quaisquer conseqüências resultantes do aborto, físicas ou mentais, não pudessem ser atribuídas pelo seu médico ao aborto.

Esse item que faltava na sua ficha médica impediria os médicos no futuro de resolver qualquer problema emocional com relação àquele aborto. As experiências traumáticas posteriores são comuns entre as mulheres que se submetem a aborto.

A cláusula dois do formulário de aborto, que foi a escolhida pelo Dr. Shoham, diz: "(O aborto é permitido quando) a continuação da gravidez envolveria risco de dano físico ou mental à mulher grávida, maior do que se a gravidez fosse interrompida".

No dia seguinte telefonamos à secretária do Dr. Sachs, a Sra. Friedman, e gravamos a seguinte conversa:

Litchfield: "Como o Dr. Sachs não está, a segunda assinatura do formulário do aborto só poderá ser feita na semana seguinte, não é mesmo?"

Sra. Friedman: "Não, não. Mas como o Sr. estava tão perto do Dr. Shoham, pensei que seria mais agradável que viesse aqui para conversarmos. Assim poderemos tranqüilizar e pôr à vontade Miss Wood (este era o nome que Sue estava usando na ocasião), porque é natural que esteja preocupada nestas circunstâncias. Muitas vezes as palavras de uma mulher são melhores do que as de um homem".

Ela deu uma risada.

Litchfield: "Ela estava um pouco preocupada somente por causa da segunda assinatura, pensando que poderia haver problemas".

Sra. Friedman : "Oh, não, não, não. Diga-lhe que não há absolutamente motivos para estar preocupada".

Litchfield: "Não pode acontecer que o Dr. Sachs não concorde com o que o Dr. Shoham disse?"

Sra. Friedman: "Oh, não, não, não. Ele vai voltar na próxima segunda-feira e terá muito trabalho. Não importa. Naturalmente, podemos marcar uma hora para ela. Podemos também marcar-lhe uma hora, se ela quiser fazer a operação na própria segunda-feira. Como quiser. Depende inteiramente dela. Posso esperar até quarta-feira. Não importa".

Litchfield passou o telefone para Sue.

Sra. Friedman: "Vejo que segunda-feira não vai dar mesmo. Está muito cheia. Mas não importa. Podemos marcar até para segunda-feira, ou para terça, ou quarta, se a Sra. quiser".

Sue: "Seria melhor na segunda".

Sra. Friedman: "Está bem. Pode ficar tranqüila que vou marcar para a Sra. na segunda-feira. Vou dar uma olhadinha na lista das consultas para ver se posso colocá-la em primeiro lugar. Um momento por favor... Podemos marcar a intervenção talvez para segunda-feira à tarde. Poderemos encontrar-nos, creio eu, por volta de uma hora da tarde em Devonshire Place, de onde você irá diretamente para a clínica, depois de um médico a ter examinado e feito tudo que é necessário".

Sue: "Será na Avenue Clinic?"

Sra. Friedman: "Bem, pode não ser na Avenue Clinic. Talvez seja em outra clínica. A Sra. gostaria de ir para a Avenue Clinic?"

Sue: "Não tenho preferência".

Sra. Friedman: "Agora vou lhe explicar como fazer. Se a Sra. for na segunda-feira para a clínica, acho que não será a Avenue porque todos os leitos estão ocupados naquele dia. Mas será outra clínica muito perto daqui. Será a London Private Clinic. Se preferir a Avenue Clinic, terá de esperar até quarta-feira. Mas acho que não está disposta a esperar tanto tempo, não é verdade? Aliás, a outra clínica é também muito boa. É em Langham Street. Você terá ótimo tratamento e o Dr. Sachs cuidará da Sra. pessoalmente e a visitará antes e depois da operação.

Não deve preocupar-se. Por isso é que eu quis falar com a Sra. ontem, para que pudéssemos arranjar as coisas. Pensei que, como a Sra. estava perto, poderia ter dado uma chegadinha até aqui, e eu poderia ter-lhe dado maiores detalhes. Agora vou explicar por alto qual será o programa.

A Sra. chegará aqui por volta de uma hora. O Dr. Sachs a examinará para ver exatamente o seu estado de gravidez e o seu estado geral de saúde. Isto é muito importante. Vai ser anestesiada e operada, e nenhum médico opera um paciente sem tê-lo examinado primeiro, seria totalmente contra a ética profissional.

Em seguida, você vai para a clínica para ser operada. Correrá tudo perfeitamente bem, mas terá de passar a noite na clínica. Na manhã seguinte, que será terça-feira, virá aqui e será examinada pelo Dr. Sachs novamente e ele verá se tudo está bem. Dar-lhe-á mais algumas instruções, lhe dirá o que deve fazer e o que não deve. Depois, deve voltar aqui novamente dentro de uma semana, para um exame final, para ver se tudo está normal. A sua saúde é a coisa mais importante, por isso nós temos muito cuidado com você.

A operação será feita numa hora qualquer da tarde, digamos às duas e meia ou três. O doutor tem uma programação matutina muito cheia. Começa a operar às onze horas e termina por volta das doze e meia.. Então voltará aqui, examinará você e você irá diretamente para a clínica, que se encontra apenas a alguns minutos daqui. Isto se, você quiser, mas se insistir em querer ir para a Avenue Clinic, terá que esperar mais um dia. Isto será realmente uma tolice. Se vier na segunda-feira poderá fazer tudo no. mesmo dia".

Sue: "E o Dr. Sachs preencherá o resto desse formulário?"

Sra. Friedman : "Oh, sim, sim. Nós cuidaremos de você, a partir de então. Não se preocupe. Você tem o formulário? Bem, se o tiver, traga-o na segunda-feira. O que é necessário mesmo é estar em jejum. Não pode comer nada, a não ser uma torrada e uma xícara de chá ou café, antes das oito horas, e depois nada mais. Deve-se estar em jejum antes da anestesia.

Basta trazer uma camisola, chinelo e um robe, se o desejar. Não é preciso mais nada. O Dr. Sachs sempre visita a clínica depois das operações, porque ele examina os pacientes não somente antes, mas também depois da operação".

Sue: "E quanto ao pagamento?"

Sra. Friedman: "Devem trazê-lo na segunda-feira".

Sue: "Quanto será?"

Sra. Friedman: "O Dr. Shoham não lhe disse? Geralmente são cem libras. Deve ser em dinheiro".

Sue: "E não aceitam cheque?"

Sra. Friedman: "Não, não aceitamos cheques. Infelizmente temos de pagar a clínica e outras despesas no mesmo dia, e eles não aceitam cheque. Tiveram tantas complicações com cheques, que agora só aceitam dinheiro vivo. Portanto, lamento, mas não pode ser cheque. Sugiro que estejam aqui por volta de uma hora na segunda-feira e tragam tudo. Seu namorado virá com você?"

Sue: "Sim".

Sra. Friedman: "Muito bem. Então está ótimo. Você não tem motivo para estar preocupada".

Sue: "Eu não estou preocupada".

Sue continuou a insistir que não estava preocupada, para que não pudessem dizer que eles estavam legalmente autorizados a fazer o aborto sobre pretexto de depressão mental.

Sra. Friedman: "Posso garantir-lhe que tomaremos conta de tudo. Você receberá a anestesia, que será uma simples injeção no braço. Não colocará aquelas coisas horríveis no rosto. Uma injeção no braço e não sentirá mais nada. E se sentirá tão bem depois, que terá vontade de voltar para casa, mas não deve. Terá de ficar durante a noite na clínica. Poderá levantar-se e andar, fazer o que quiser, mas preferimos que fique na clínica durante a noite".

O diálogo com a Sra. Friedman merece ser reproduzido fielmente, porque revela, pela primeira vez, um dia de rotina de um abortador, e a descrição é feita por quem "está por dentro"...


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