"VOCÊ SABE REALMENTE O QUE ESTÁ FAZENDO?"

O Dr. Maurice Hanley Ashken estava esperando por nós na sua clínica, no número 67 da Wimpole Street, Londres, paralela à Harley Street. Tinha sido informado pelo Sr. Silver, da Clinicare, que estávamos a caminho e deveríamos chegar dentro de poucos minutos.

Enquanto o Dr. Shoham fora todo amabilidade e delicadeza, o Dr. Ashken era brusco, franco, direto e conciso, quase áspero. O Dr. Ashken era um homem de meia idade, baixo e gordo. Poderia ser descrito como uma pessoa bem nutrida. Não tirava o charuto da boca e brincava continuamente 'com os óculos, como se sofresse de excesso de energia nervosa.

O consultório era mais claro e mais suntuoso do que o do Dr. Shoham. Ao lado estava uma secretária, que irradiava vibrações de gélida eficiência e calma clínica.

"Queiram sentar-se, por favor, disse o Dr. Ashken. Foi mais uma ordem que um pedido. A Sra. fez um teste de gravidez? Deu positivo?"

Sue confirmou que sim. O teste tinha sido positivo segundo as palavras do Sr. Silver, embora na realidade ela não estivesse grávida.

O Dr. Ashken virtualmente ignorava a existência de Litchfield nesta fase. Falando a Sue, perguntou: "Já consultou o seu médico?"

Sue: "Não, não consultei".

O Dr. Ashken, bruscamente: "Por que não?"

Sue: "Bem, eu gostaria de descobrir com certeza se estava grávida ou não".

Dr. Ashken: "Bem, a Sra. fez um teste de gravidez".

Sue: "Fomos à Clinicare, falamos com um tal de Sr. Silver".

Dr. Ashken: "Sim, eu sei".

Sue: "Ele sugeriu que nós o procurássemos".

Dr. Ashken: "Trata-se de um teste de laboratório, e é isto tudo de que preciso para ter a certeza de que seu teste é positivo. Qual é a sua idade?"

Sue: "Vinte e sete anos".

Dr. Ashken: "Tem filhos?"

Sue: "Não".

Dr. Ashken: "O Sr. é o marido? Por que não querem esta criança?" Foi a primeira vez que ele mostrou que tinha dado conta da presença de Litchfield.

Tínhamos resolvido desempenhar o papel de um casal sem filhos, sumamente egoísta, egocêntrico, comodista, sem a menor razão deste mundo para poder fazer um aborto legalmente. Se era possível comprar abortos com nossas estórias furadas, superficiais, então estava provado, além de toda dúvida que havia na Inglaterra a possibilidade de fazer aborto por encomenda, o que é contrário tanto ao espírito da lei quanto às declarações dos vários governos.

Assumimos uma atitude que faria com que qualquer ginecologista de integridade moral nos pusesse no olho da rua, porque tínhamos ofendido a sua integridade moral, a sua consciência e a sua ética profissional. Entretanto, não nos puseram no olho da rua.

Em resposta à pergunta do Dr. Ashken: "Por que não querem esta criança?", Sue respondeu: "Bem, não queremos porque não queremos".

Dr. Ashken: "Bem. Vocês dizem apenas que não querem a criança e são casados... Vocês são casados?"

Sue: "Sim".

Dr. Ashken: "Há quanto tempo estão casados?"

Sue: "Faz quase cinco anos".

Dr. Ashken: "Vocês pensam que estão agindo certo?"

Por lei, ele é que deveria responder a essa pergunta, e não nós.

Litchfield: "Bem, nós não queremos realmente constituir família".

Houve um silêncio de alguns segundos.

Dr. Ashken: "Estão certos de saber o que estão fazendo? Sabem mesmo que coisa estão fazendo?"

Litchfield : "Estamos certos de que não queremos filho".

Dr. Ashken: "Acho que antes de continuarmos tenho de examinar a Sra. e depois podemos decidir. Vocês resolveram, quando se casaram, que não iam ter filhos?"

Litchfield: "Mais ou menos".

Dr. Ashken, dirigindo-se a Litchfield: "Que idade você tem?"

Litchfield: "Trinta e quatro anos".

Sue e o Dr. Ashken entraram num compartimento que havia dentro da própria sala. Ali, numa cama médica, aquecida eletricamente, Sue foi submetida, uma vez mais, a um exame interno. "Se a cama ficar muito quente, por favor diga-me" disse o doutor a Sue. "Pensei que seria mais confortável para você se estivesse um pouco aquecida".

Durante o exame o Dr. Ashken perguntou: "Já teve alguma doença?"

Sue: "Não, nenhuma".

Agora vem o comentário mais expressivo de todos, a observação que revela a atividade mental do Dr. Ashken na ocasião em que, por lei, ele deveria agir "de boa fé" para ter a certeza de que os motivos apresentados eram realmente válidos. Então ele disse: "Agora a questão é: . que razão médica poderemos encontrar para interromper a gravidez?" E continuou: "Acho que a Sra. deve consultar um psiquiatra. Vá trocar algumas idéias com um. Se ele lhe disser: 'Sim, é o que se deve fazer', então tudo estará bem".

Terminou o exame e o Dr. Ashken e Sue voltaram para onde estava Litchfield.

Dr. Ashken imediatamente telefonou para o Dr. Phillip Maurice Bloom, o psiquiatra do número 79 da Harley Street. O lado da conversa do Dr. Ashken foi assim:

"Alô. Aqui é o Dr. Ashken. Tem aqui um casal. Ela tem vinte e sete anos e ele trinta e quatro. São casados há cinco anos. Não têm filhos. Ela fez teste de gravidez e deu positivo. Bem, eles não têm filhos, mas insistem em não quererem constituir família e eu não sei se realmente eles sabem se estão tomando a decisão certa, que circunstâncias eles estão levando em conta. Como é que eles têm esse ponto de vista. Gostaria que você investigasse esse caso para mim. Aliás isto é mais do seu campo do que do meu. Para mim, esta questão de aborto terapêutico é uma coisa muito séria. Gostaria que você me dissesse o que é que você pensa do caso. Certo? O.K. Muito obrigado. Tchau".

Voltando-se a nós ele disse: "Falei com o Dr. Phillip Bloom. Vocês devem ir lá agora. Depois de terem feito a visita ao Dr. Bloom, voltem aqui com o seu relatório. E podemos discutir o caso. Podem pagar-lhe diretamente a sua consulta".

Sue: "Quanto é que vai ser a consulta dele?"

Dr. Ashken: "Umas dez libras. Geralmente ele cobra dez guinéus. É o preço normal de uma consulta".

Litchfield: "Minha mulher está muito adiantada?"

Dr. Ashken: "Acho que está entre onze e doze semanas. Mais, não".

Este era o segundo exame feito internamente por um médico no comércio do aborto, em Sue, que não estava grávida. E nos dois exames, o diagnóstico foi que ela estava grávida, embora, como se deve ter notado, a fase da gravidez-fantasma, variasse e continuasse a variar em toda nossa pesquisa.

Despedimo-nos do Dr. Ashken com uma nota da sua parte para o Dr. Bloom.


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