IV

BEBÊS PARA FÁBRICAS DE SABÃO



BEBÊS PARA FINS INDUSTRIAIS

Encontrávamo-nos em outro consultório sórdido, na Harley Street. O médico; um dos especuladores inescrupulosos da mina de ouro que é a indústria do aborto, se desfazia em desculpas para justificar o seu "envolvimento involuntário" numa empresa que, segundo as suas próprias palavras, "tinha vendido a alma por dinheiro". Ele tinha sido envolvido na engrenagem... Tinha sido preso ao mecanismo... Seduzido pelos seus colegas inescrupulosos e degenerados... Vítima das circunstâncias... Vítima de uma sociedade apodrecida... e uma infinidade de desculpas.

Começou a chorar. Fica-se surpreso com o número de médicos responsáveis pela morte de milhares de bebês indefesos, executados a sangue frio, os quais, quando se encontram frente a frente com os seus crimes odiosos, choram de uma maneira como as suas pequenas vítimas nunca poderão chorar...

Este médico, particularmente desprezível, enterrava a cabeça nas mãos e nos suplicava: "Tenho uma família... todos nós estamos burlando a lei, mas alguns são piores do que outros... eu não sou um daqueles verdadeiros gangsters da Harley, Street. . . Há muitos que são assim, mas eu não sou um deles. Se me pouparem eu lhes aponto um autêntico patife: podemos fazer um acordo? (eles são muito práticos em fazer 'acordos'). Tenham compaixão de mim e eu nunca mais farei nenhum aborto em minha vida... Sei que se trata de uma coisa errada e má, todos nós o sabemos, mas ninguém diz nada, ninguém diz um 'basta' a esta situação... não quer fazer um acordo?"

Dissemos que não podíamos prometer nada, mas o convidamos a abrir-se conosco a respeito do "verdadeiro gangster" e a confiar em nossa "boa fé". Expressão que ele devia conhecer muito bem, porque está no texto da Lei do Aborto. Certo ou errado, mostramos-lhe a espécie de compaixão da qual ele nunca ouviu falar e não declaramos publicamente o seu nome, embora ele seja conhecido das autoridades competentes. Ele nos disse nervosamente:

"Há um ginecologista aqui em Harley Street, bem pertinho, que... o Sr. vai achar difícil de acreditar porque é revoltante... que vende fetos para uma fábrica... para uma fábrica de produtos químicos, e eles fazem sabão e cosméticos... e pagam-lhe muito bem pelos bebês, porque a gordura animal vale ouro no ramo deles..."

Tínhamos chegado a um ponto em que acreditávamos que nada mais nos poderia chocar na indústria do aborto na Inglaterra. Estávamos enganados. Todas as vezes que pensávamos que já estávamos insensíveis à náusea, por saturação, acontecia-nos uma nova experiência, mais repelente, que revirava novamente o nosso estômago e reacendia a vergonha que nos acabrunhava de pertencer a uma sociedade que dera largas a . tal degradação, a tal corrupção.

O médico consentiu em dar-nos a identidade do ginecologista envolvido na venda de bebês para os fabricantes de sabão. É, evidente que o tal ginecologista nunca teria admitido abertamente suas atividades truculentas, sub-humanas e subanimais. Então combinamos conversar com ele como uma firma concorrente e fazer uma contraproposta para os fetos. E o fizemos. Em primeiro lugar lhe telefonamos. Sua secretária disse a Litchfield que ele estava na clínica operando. Litchfield imediatamente entrou em contato com a clínica e falou com outra secretária do ginecologista. "Pode dizer-me qual é o assunto?" perguntou ela.

Litchfield: "Sim. Estou interessado em comprar fetos do Dr... Sei que ele os vende a uma fábrica do East End de Londres. Posso pagar-lhe mais. Represento uma firma concorrente..."

Secretária: "Não sei de nada a respeito.. . não sei. Acho melhor que o Sr. fale sobre isto com o Dr... Não posso discutir isto, que é assunto exclusivo dele. Acredito que é ilegal vender fetos, mas prefiro não tratar deste assunto. O Sr. me entende. Posso pedir que ele-telefone para o Sr. quando sair da sala de operação?"

"Não, eu mesmo telefonarei".

"Posso dizer quem telefonou?"

Demos um nome, mas não demos o nome da firma. Parecia melhor criar uma atmosfera de mistério e de intriga, que poderia espicaçar a curiosidade do ginecologista... e a sua avidez.

Na mesma tarde, Litchfield telefonou novamente para a clínica. O Dr... desta vez estava lá. "Sim, recebi o recado", disse ele. "É um negócio muito delicado. Não acho prudente tratarmos deste assunto por telefone. Como o Sr. ficou sabendo a meu respeito?"

"Um amigo de nós dois", respondeu Litchfield com ambigüidade.

"Entendo... entendo... É delicado, o Sr. sabe, temos de ter muito cuidado. É melhor que o Sr. venha pessoalmente falar comigo em Harley Street. Telefone à minha secretária em Harley Street e marque uma hora para amanhã de manhã. Então discutiremos tudo em particular".

Combinamos um encontro para as onze horas da manhã, no dia seguinte, no seu consultório da Harley Street.

Quando nos encontramos, o ginecologista pediu à sua secretária que saísse da sala, deixando-o a sós com Litchfield, no seu luxuoso escritório, onde tudo era uma exibição de opulência. Sentou-se na beirada da mesa de trabalho, de carvalho maciço: uma cortesia da sua parte, porque, sentando-se tão perto de nós, estava falando quase diretamente no microfone do nosso gravador, que estava escondido numa pasta de couro.

Mostrou uma carta a Litchfield: "Esta carta é do Ministério da Saúde", disse ele fazendo uma expressão de aborrecimento. "Aqui dizem eles que devemos incinerar os fetos... que não devemos vendê-los para nada... nem mesmo para pesquisa científica. Este é o problema. Está vendo?"

"Mas o Sr. já vende os seus fetos para uma fábrica de cosméticos. . . " disse Litchfield.

"O Sr. é que está dizendo... Não estou dizendo que sim, nem estou dizendo que não... Veja, desejo colaborar, mas é difícil. Temos que observar a lei.

As pessoas que moram nas vizinhanças da minha clínica têm se queixado do cheiro de carne humana queimada. O cheiro sai do incinerador. Não é propriamente um cheiro agradável. Dizem que cheira como um campo de extermínio nazista durante a última guerra. Não sei como eles podem saber o cheiro de um campo de extermínio nazista, mas não quero discutir o fato. Portanto, estou sempre procurando maneira de me livrar dos fetos sem precisar queimá-los.

Veja, encaminhá-los para a pesquisa científica não é rendoso. Trata-se de ver se vale a pena... e desfazer-me deles sem violar a lei".

"Então, como é que o Sr. faz com a firma do East End de Londres?"

"Bem, agora... o Sr. entende... gostaria de não saber oficialmente do que se passa... com os fetos. Quanto eu saiba, eles são preparados para o incinerador, e depois desaparecem. Não sei o que lhes acontece. Desaparecem. O Sr. tem de arranjar um furgão, ou uma caminhonete, ou coisa semelhante, que deve carregar pela porta dos fundos. Quanto à hora e outros pormenores, fixaremos depois. Tudo depende naturalmente de entrarmos em acordo. Existe naturalmente, o lado financeiro... não é verdade? Qual é a sua oferta?"

"Por quanto o Sr. está vendendo?"

"Veja, tenho alguns bebês muito grandes. É uma pena jogá-los no incinerador, quando se podia fazer um uso muito melhor deles. Fazemos muitos abortos tardios. Somos especialistas nisto. Faço aborto que os outros médicos nunca fariam. Faço-os com sete meses, sem hesitar. A lei diz vinte e oito semanas. É o limite legal. Porém é impossível determinar a fase em que foi feito o aborto quando a criança é incinerada. Por isso não importa o período em que se faz o aborto. Se a mãe está pronta para correr o risco, eu estou pronto para fazer o aborto.

Muitos dos bebês que. tiro já estão totalmente formados e vivem ainda um pouco, antes de serem eliminados. Uma manhã havia quatro deles, um. ao lado do outro, chorando como .desesperados. Não tive tempo de matá-los ali na hora, porque tinha muito o que fazer. Era uma pena jogá-los no incinerador, porque eles tinham muita gordura animal que poderia ser comercializada.

Naquele ponto, se tivessem sido colocados numa incubadora poderiam sobreviver, mas na minha clínica eu não possuo essa espécie de facilidades. O nosso negócio é pôr fim a vidas e não ajudá-las a começar.

Não sou uma pessoa cruel. Sou realista. Se sou pago para fazer um trabalho e se o trabalho é livrar urna mulher de um bebê, então não estaria descinpenhando o meu papel se deixasse que o bebê vivesse, embora o mantenha vivo cerca de meia hora. Tenho alguns problemas com as enfermeiras. Muitas delas desmaiam no primeiro dia. Temos sempre muita rotatividade em nosso pessoal. As alemãs muitas vezes são boas. Não são uma raça de gente sentimental. As inglesas têm tendência - mas nem sempre - a serem sentimentais.

Hitler pode ter sido inimigo deste país, mas nem tudo a respeito de sua política era mau. Ele tinha algumas idéias e filosofia muito progressistas. A seletividade da vida sempre teve grande fascínio para certos elementos do mundo médico. Sempre considerei a possibilidade da reprodução seletiva e da eliminação seletiva. Mas isto é outro assunto... Desculpe aborrecê-lo com as minhas teorias. Acho que o Sr. me julga meio doido, não é? Se o sou não sou o único. Muitos dos ginecologistas, muitos mesmo, que fazem aborto em Londres e em outras partes da Inglaterra, pensam da mesma maneira que eu. Mas devemos ser homens de ciência e não homens de emoção. Devemos ver através do nevoeiro do sentimentalismo. A vida humana é uma coisa que pode ser controlada, condicionada e destruída como qualquer máquina. O Sr. não é químico, é?"

"Não", respondeu Litchfield.

"É uma pena. Gostaria de falar com o seu químico. O Sr. diz que quer os fetos para fazer sabonetes, cosméticos, mas eles podem ser empregados de uma maneira muito mais útil".

"Qual seria a outra utilidade?"

"Acho que não vale a pena falar do assunto com alguém que não é químico. Mas há uma maneira muito especial. . . muito proveitosa, muito rendosa . . . e poderia beneficiar-nos, a nós dois".

Litchfield prometeu: "Direi a meu químico que venha falar com o Sr."

"Sim, por favor. Então poderemos fazer uma espécie de contrato. Será provavelmente uma espécie de contrato entre cavalheiros. Eu fiz assim corri a outra firma. Agora, nem uma palavra com ninguém por favor. Temos que ser muito, muito discretos. Depois falaremos de dinheiro, e os lucros serão mútuos. Seremos amigos? Espero que sim".

A única resposta apropriada ao que acabamos de ouvir era irmos embora o mais depressa possível. Não voltamos lá com o químico. Tínhamos informações suficientes sobre os subterfúgios e a corrupção deste "homem".

Mais tarde, quando explicamos a este ginecologista grotesco a finalidade de nossa pesquisa e a nossa identidade autêntica, ele rebateu: "Não devem culpar os ginecologistas pelo que está acontecendo neste país. Não devem pôr a culpa em nós. Forçaram-nos a isto. Se nós não o fizéssemos, alguém o faria. Estamos no fim de uma fila. As mulheres chegam até nós empurradas por outros e não podemos voltar-lhes as costas e desempará-las. Como profissionais, prostituímo-nos a nós mesmos. Isso não teria acontecido se tivéssemos um verdadeiro sindicato. O sindicato poderia dizer: `É proibido fazer aborto' e quem não cumprisse a lei seria punido e expulso. Mas como estão as coisas, há 'liberdade para todos', tudo é permitido e vamos simplesmente de mal a pior. Gostaria que alguém desse um basta a esta situação. Gostaria de me pôr novamente em paz com a minha consciência".


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