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Encontrávamo-nos em outro consultório sórdido, na Harley
Street. O médico; um dos especuladores inescrupulosos da mina de
ouro que é a indústria do aborto, se desfazia em desculpas para
justificar o seu "envolvimento involuntário" numa empresa que,
segundo as suas próprias palavras, "tinha vendido a alma por
dinheiro". Ele tinha sido envolvido na engrenagem... Tinha sido
preso ao mecanismo... Seduzido pelos seus colegas inescrupulosos e
degenerados... Vítima das circunstâncias... Vítima de uma
sociedade apodrecida... e uma infinidade de desculpas.
Começou a chorar. Fica-se surpreso com o número de médicos
responsáveis pela morte de milhares de bebês indefesos, executados a
sangue frio, os quais, quando se encontram frente a frente com os seus
crimes odiosos, choram de uma maneira como as suas pequenas vítimas
nunca poderão chorar...
Este médico, particularmente desprezível, enterrava a cabeça nas
mãos e nos suplicava: "Tenho uma família... todos nós estamos
burlando a lei, mas alguns são piores do que outros... eu não sou
um daqueles verdadeiros gangsters da Harley, Street. . . Há
muitos que são assim, mas eu não sou um deles. Se me pouparem eu
lhes aponto um autêntico patife: podemos fazer um acordo? (eles são
muito práticos em fazer 'acordos'). Tenham compaixão de mim e eu
nunca mais farei nenhum aborto em minha vida... Sei que se trata de
uma coisa errada e má, todos nós o sabemos, mas ninguém diz nada,
ninguém diz um 'basta' a esta situação... não quer fazer um
acordo?"
Dissemos que não podíamos prometer nada, mas o convidamos a
abrir-se conosco a respeito do "verdadeiro gangster" e a confiar em
nossa "boa fé". Expressão que ele devia conhecer muito bem,
porque está no texto da Lei do Aborto. Certo ou errado,
mostramos-lhe a espécie de compaixão da qual ele nunca ouviu falar e
não declaramos publicamente o seu nome, embora ele seja conhecido das
autoridades competentes. Ele nos disse nervosamente:
"Há um ginecologista aqui em Harley Street, bem pertinho,
que... o Sr. vai achar difícil de acreditar porque é
revoltante... que vende fetos para uma fábrica... para uma
fábrica de produtos químicos, e eles fazem sabão e cosméticos...
e pagam-lhe muito bem pelos bebês, porque a gordura animal vale ouro
no ramo deles..."
Tínhamos chegado a um ponto em que acreditávamos que nada mais nos
poderia chocar na indústria do aborto na Inglaterra. Estávamos
enganados. Todas as vezes que pensávamos que já estávamos
insensíveis à náusea, por saturação, acontecia-nos uma nova
experiência, mais repelente, que revirava novamente o nosso estômago
e reacendia a vergonha que nos acabrunhava de pertencer a uma sociedade
que dera largas a . tal degradação, a tal corrupção.
O médico consentiu em dar-nos a identidade do ginecologista envolvido
na venda de bebês para os fabricantes de sabão. É, evidente que o
tal ginecologista nunca teria admitido abertamente suas atividades
truculentas, sub-humanas e subanimais. Então combinamos conversar
com ele como uma firma concorrente e fazer uma contraproposta para os
fetos. E o fizemos. Em primeiro lugar lhe telefonamos. Sua
secretária disse a Litchfield que ele estava na clínica operando.
Litchfield imediatamente entrou em contato com a clínica e falou com
outra secretária do ginecologista. "Pode dizer-me qual é o
assunto?" perguntou ela.
Litchfield: "Sim. Estou interessado em comprar fetos do Dr...
Sei que ele os vende a uma fábrica do East End de Londres. Posso
pagar-lhe mais. Represento uma firma concorrente..."
Secretária: "Não sei de nada a respeito.. . não sei. Acho
melhor que o Sr. fale sobre isto com o Dr... Não posso discutir
isto, que é assunto exclusivo dele. Acredito que é ilegal vender
fetos, mas prefiro não tratar deste assunto. O Sr. me entende.
Posso pedir que ele-telefone para o Sr. quando sair da sala de
operação?"
"Não, eu mesmo telefonarei".
"Posso dizer quem telefonou?"
Demos um nome, mas não demos o nome da firma. Parecia melhor criar
uma atmosfera de mistério e de intriga, que poderia espicaçar a
curiosidade do ginecologista... e a sua avidez.
Na mesma tarde, Litchfield telefonou novamente para a clínica. O
Dr... desta vez estava lá. "Sim, recebi o recado", disse
ele. "É um negócio muito delicado. Não acho prudente tratarmos
deste assunto por telefone. Como o Sr. ficou sabendo a meu
respeito?"
"Um amigo de nós dois", respondeu Litchfield com ambigüidade.
"Entendo... entendo... É delicado, o Sr. sabe, temos de ter
muito cuidado. É melhor que o Sr. venha pessoalmente falar comigo em
Harley Street. Telefone à minha secretária em Harley Street e
marque uma hora para amanhã de manhã. Então discutiremos tudo em
particular".
Combinamos um encontro para as onze horas da manhã, no dia seguinte,
no seu consultório da Harley Street.
Quando nos encontramos, o ginecologista pediu à sua secretária que
saísse da sala, deixando-o a sós com Litchfield, no seu luxuoso
escritório, onde tudo era uma exibição de opulência. Sentou-se
na beirada da mesa de trabalho, de carvalho maciço: uma cortesia da
sua parte, porque, sentando-se tão perto de nós, estava falando
quase diretamente no microfone do nosso gravador, que estava escondido
numa pasta de couro.
Mostrou uma carta a Litchfield: "Esta carta é do Ministério da
Saúde", disse ele fazendo uma expressão de aborrecimento. "Aqui
dizem eles que devemos incinerar os fetos... que não devemos
vendê-los para nada... nem mesmo para pesquisa científica. Este
é o problema. Está vendo?"
"Mas o Sr. já vende os seus fetos para uma fábrica de
cosméticos. . . " disse Litchfield.
"O Sr. é que está dizendo... Não estou dizendo que sim, nem
estou dizendo que não... Veja, desejo colaborar, mas é
difícil. Temos que observar a lei.
As pessoas que moram nas vizinhanças da minha clínica têm se
queixado do cheiro de carne humana queimada. O cheiro sai do
incinerador. Não é propriamente um cheiro agradável. Dizem que
cheira como um campo de extermínio nazista durante a última guerra.
Não sei como eles podem saber o cheiro de um campo de extermínio
nazista, mas não quero discutir o fato. Portanto, estou sempre
procurando maneira de me livrar dos fetos sem precisar queimá-los.
Veja, encaminhá-los para a pesquisa científica não é rendoso.
Trata-se de ver se vale a pena... e desfazer-me deles sem violar a
lei".
"Então, como é que o Sr. faz com a firma do East End de
Londres?"
"Bem, agora... o Sr. entende... gostaria de não saber
oficialmente do que se passa... com os fetos. Quanto eu saiba,
eles são preparados para o incinerador, e depois desaparecem. Não
sei o que lhes acontece. Desaparecem. O Sr. tem de arranjar um
furgão, ou uma caminhonete, ou coisa semelhante, que deve carregar
pela porta dos fundos. Quanto à hora e outros pormenores, fixaremos
depois. Tudo depende naturalmente de entrarmos em acordo. Existe
naturalmente, o lado financeiro... não é verdade? Qual é a sua
oferta?"
"Por quanto o Sr. está vendendo?"
"Veja, tenho alguns bebês muito grandes. É uma pena jogá-los no
incinerador, quando se podia fazer um uso muito melhor deles. Fazemos
muitos abortos tardios. Somos especialistas nisto. Faço aborto que
os outros médicos nunca fariam. Faço-os com sete meses, sem
hesitar. A lei diz vinte e oito semanas. É o limite legal. Porém
é impossível determinar a fase em que foi feito o aborto quando a
criança é incinerada. Por isso não importa o período em que se faz
o aborto. Se a mãe está pronta para correr o risco, eu estou pronto
para fazer o aborto.
Muitos dos bebês que. tiro já estão totalmente formados e vivem
ainda um pouco, antes de serem eliminados. Uma manhã havia quatro
deles, um. ao lado do outro, chorando como .desesperados. Não
tive tempo de matá-los ali na hora, porque tinha muito o que fazer.
Era uma pena jogá-los no incinerador, porque eles tinham muita
gordura animal que poderia ser comercializada.
Naquele ponto, se tivessem sido colocados numa incubadora poderiam
sobreviver, mas na minha clínica eu não possuo essa espécie de
facilidades. O nosso negócio é pôr fim a vidas e não ajudá-las a
começar.
Não sou uma pessoa cruel. Sou realista. Se sou pago para fazer um
trabalho e se o trabalho é livrar urna mulher de um bebê, então não
estaria descinpenhando o meu papel se deixasse que o bebê vivesse,
embora o mantenha vivo cerca de meia hora. Tenho alguns problemas com
as enfermeiras. Muitas delas desmaiam no primeiro dia. Temos sempre
muita rotatividade em nosso pessoal. As alemãs muitas vezes são
boas. Não são uma raça de gente sentimental. As inglesas têm
tendência - mas nem sempre - a serem sentimentais.
Hitler pode ter sido inimigo deste país, mas nem tudo a respeito de
sua política era mau. Ele tinha algumas idéias e filosofia muito
progressistas. A seletividade da vida sempre teve grande fascínio
para certos elementos do mundo médico. Sempre considerei a
possibilidade da reprodução seletiva e da eliminação seletiva. Mas
isto é outro assunto... Desculpe aborrecê-lo com as minhas
teorias. Acho que o Sr. me julga meio doido, não é? Se o sou
não sou o único. Muitos dos ginecologistas, muitos mesmo, que
fazem aborto em Londres e em outras partes da Inglaterra, pensam da
mesma maneira que eu. Mas devemos ser homens de ciência e não homens
de emoção. Devemos ver através do nevoeiro do sentimentalismo. A
vida humana é uma coisa que pode ser controlada, condicionada e
destruída como qualquer máquina. O Sr. não é químico, é?"
"Não", respondeu Litchfield.
"É uma pena. Gostaria de falar com o seu químico. O Sr. diz que
quer os fetos para fazer sabonetes, cosméticos, mas eles podem ser
empregados de uma maneira muito mais útil".
"Qual seria a outra utilidade?"
"Acho que não vale a pena falar do assunto com alguém que não é
químico. Mas há uma maneira muito especial. . . muito
proveitosa, muito rendosa . . . e poderia beneficiar-nos, a nós
dois".
Litchfield prometeu: "Direi a meu químico que venha falar com o
Sr."
"Sim, por favor. Então poderemos fazer uma espécie de contrato.
Será provavelmente uma espécie de contrato entre cavalheiros. Eu
fiz assim corri a outra firma. Agora, nem uma palavra com ninguém
por favor. Temos que ser muito, muito discretos. Depois falaremos
de dinheiro, e os lucros serão mútuos. Seremos amigos? Espero que
sim".
A única resposta apropriada ao que acabamos de ouvir era irmos embora
o mais depressa possível. Não voltamos lá com o químico.
Tínhamos informações suficientes sobre os subterfúgios e a
corrupção deste "homem".
Mais tarde, quando explicamos a este ginecologista grotesco a
finalidade de nossa pesquisa e a nossa identidade autêntica, ele
rebateu: "Não devem culpar os ginecologistas pelo que está
acontecendo neste país. Não devem pôr a culpa em nós.
Forçaram-nos a isto. Se nós não o fizéssemos, alguém o faria.
Estamos no fim de uma fila. As mulheres chegam até nós empurradas
por outros e não podemos voltar-lhes as costas e desempará-las.
Como profissionais, prostituímo-nos a nós mesmos. Isso não teria
acontecido se tivéssemos um verdadeiro sindicato. O sindicato poderia
dizer: `É proibido fazer aborto' e quem não cumprisse a lei seria
punido e expulso. Mas como estão as coisas, há 'liberdade para
todos', tudo é permitido e vamos simplesmente de mal a pior.
Gostaria que alguém desse um basta a esta situação. Gostaria de me
pôr novamente em paz com a minha consciência".
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