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No momento parecia uma boa idéia. Ela gostava dele, morava com ele
e tomava conta da sua filhinha. Por isso deixou de tomar a pílula.
Aliás, com os efeitos colaterais de que se falava - as tromboses
cinco vezes mais comum - parecia um risco desnecessário.
Os efeitos foram desastrosos para Nancy, para o seu amante e para a
filhinha dele. No ano passado, os seus mundos separados e unidos
desmoranaram.
Vejamos a história de Nancy contada por ela mesma.
"Penso que se pode dizer que tudo começou quando eu fui trabalhar.
Eu sempre tinha sido babá. Gostava de crianças e vinha de uma
família numerosa, e isto era um trabalho bastante fácil. Fiquei um
pouco preocupada quando vi o meu futuro patrão - era jovem e
bonitão. Não que eu reparasse muito nessas coisas. Mas ele parecia
gentil e eu gostava da meninazinha. Ele precisava de uma mãe para sua
filha, alguém que vivesse ali, servisse um pouco de cozinheira e
tomasse conta de Jane, que já estava freqüentando a escola. Não
era uma casa luxuosa, como aquelas às quais eu tinha me acostumado, e
se podia ver que ele não tinha muito interesse na casa desde que sua
mulher o deixara.
Olhando as coisas hoje, suponho que se poderiam ver os sinais: era um
lar destruído, necessitando urgentemente de uma mulher e eu estava
lá, com dezoito anos, solteira, sem compromisso. No começo foram
pequenas coisas. Procurava tornar a casa mais parecida com um lar,
mais habitável. Fazia mais que o trabalho que me era exigido por
obrigação, mas sentia-me feliz.
Era melhor que os outros empregos que eu tinha tido, porque Gregory e
Jane faziam com que eu me sentisse parte da família. Não queriam
que eu ficasse sozinha toda a tarde no meu quarto e convidavam-me para
que ficasse junto com eles. E depois que eu punha Jane na cama,
ficava em baixo assistindo à televisão. Pouco a pouco nosso
relacionamento se transformou. Ele deixou de sair com os amigos à
noite, preferindo ficar comigo. Bem, logo nosso relacionamento
passou de simples amizade para amor.
Não sei realmente dizer por que deixei de tomar a pílula. Foi uma
decisão completamente inconsciente, isto é, não disse em voz alta
'não vou mais tomar a pílula porque quero ficar grávida'.
Simplesmente deixei de tomar. Não tomei uma noite, nem na noite
seguinte, nem na outra.
Naturalmente, aconteceu o inevitável: fiquei grávida; mas por um
motivo qualquer, que não sei explicar, não disse nada.
Finalmente, no terceiro mês, disse a Greg que pensava que estava
grávida. Ele me levou imediatamente ao médico para termos certeza,
e foi aí que começou o pânico. Ele nunca disse que se casaria
comigo, mas eu sempre pensei que uma vez que ele era divorciado poderia
casar-se. Quando ele me disse que não intencionava casar novamente,
nunca mais, fiquei transtornada. Senti-me gelada, entorpecida,
completamente arrasada. Não que ele não quisesse mais saber de mim,
mas simplesmente porque ele não queria casar comigo. Disse que eu
resolvesse se queria continuar a gravidez ou abortar. De repente,
cavou-se entre nós um abismo terrível. Sentia-me sozinha. Na
medida em que podia raciocinar, tive a consciência nítida, quando
descobri que não podia mais entendê-lo, de que o nosso
relacionamento não era estável. Sentia vontade de gritar na agonia
da minha solidão. Ele se recusava de participar da decisão, porém
me dizia que ficaria sempre a meu lado.
Eu não podia entender, não podia realmente entender. E repetia
comigo mesma: 'Ele não me ama, ele não me ama'. Se me amasse,
ele me teria abraçado e dito que era maravilhoso. Entretanto ele
estava procurando fazer 'a coisa certa' ficando a meu lado, embora
não me amasse e - conseqüentemente - não queria o meu filho.
Portanto, abortei. Meu Deus, foi a coisa mais fácil!
Explico-me. Quando se quer fazer um aborto, procura-se nos
classificados dos jornais ou nas páginas amarelas do guia telefônico
essas clínicas que fazem teste de gravidez. Parece incrível, mas
algumas chegam até a fazer propaganda de aborto como parte do seu
serviço. Fui a um endereço em Londres e dois dias mais tarde estava
tudo arranjado, por mais ou menos setenta e cinco libras.
Greg levou o dinheiro, foi comigo para o hospital e me apanhou no dia
seguinte. Não posso dizer que foi uma coisa difícil, porque não
foi. Não me custou. Foi como dar entrada num hospital para uma
operação comum, sem nenhuma gravidade. Depois da anestesia, não
senti mais nada e a única coisa que senti foi acordar um pouco
sonolenta. Tudo de que me lembro com clareza é que estava em pânico
porque não tinha trazido os absorventes íntimos e não tinha coragem
de pedi-los às enfermeiras. Avisaram-me no consultório que o
aborto me traria as regras e me disseram que era melhor que fosse
preparada, mas me esqueci.
Quando Greg veio me buscar, ele estava feliz e sorridente.
Sentia-me bem, mas de certo modo vazia. Quando chegamos em casa,
nada havia mudado, a casa era a mesma, Jane ficou alegre ao ver-me
de volta, mas eu me sentia deprimida. Foi a partir desse momento,
creio eu, que comecei a sentir ódio. Ele esperava que eu continuasse
como se nada tivesse acontecido.
Pela primeira vez senti todo o peso do que tinha feito. Quero dizer,
eu tinha feito uma coisa muito importante e ele considerava isso uma
coisa à toa. E Jane ali, querendo isto, querendo aquilo, pedindo
isto, pedindo aquilo. Não podia suportar. Brigava com Greg e
gritava com Jane.
Naturalmente aos poucos consegui vencer a depressão. Mas mudei.
Senti que tinha mudado. Pensei comigo: 'Muito bem, ele é
egoísta, só pensa em si. Eu também vou ser assim, de agora em
diante'. Se ele ainda me quisesse - e ele dizia que queria - então
deveria aceitar as minhas condições. Primeiro, uma casa nova.
Porque esta, apesar do que eu tinha feito nela, era a casa da sua
mulher. Depois, ele teria de escolher entre mim e a filha, produto
daquele casamento que lhe tinha tirado por completo a vontade de
casar-se novamente. Parecia-me que estava sendo lógica. Ele se
queixava de ter-se casado pela primeira vez, por causa dos
aborrecimentos que aquele casamento lhe trouxe. Portanto devia
livrar-se de tudo o que o ligava àquele casamento. Foi algo que o
destruiu.
Ele me disse que a criança tinha chegado antes. Por isso o
abandonei. Dentro de alguns dias ele me pediu que voltasse.
Concordei, com a condição de que Jane não entrasse em nosso
acordo: ele deveria contratar uma babá para ela, porque certamente eu
não iria ter mais nada com ela, não ia mais cuidar dela. Venci.
Ele concordou, pediu-me que voltasse.
Arranjei um trabalho durante o dia, por isso ele foi forçado a
procurar alguém para cuidar de Jane, levá-la à escola e ir
buscá-la à tarde, e à noite pô-la para dormir, cedo. Nos fins
de semana ele a levava para a casa dos avós.
Fiquei grávida novamente, menos de três meses depois do aborto.
Foi um mero acidente. Eu estava evitando, na ocasião. Não podia
acreditar. Não podia mesmo acreditar que me acontecesse novamente
ficar grávida e tão cedo. E quem podia acreditar? Apesar -de tudo
o que tinha acontecido antes e do fato de ele me amar e dizer que me
queria sempre consigo, a sua atitude foi precisamente a mesma de
antes: a decisão era minha.
Mas dessa vez não se deu o trabalho de discutir comigo os prós e os
contras. Disse que se ele me encorajasse a ter a criança e se o nosso
relacionamento não desse certo nó futuro, eu poderia lançar-lhe na
cara que tinha me sobrecarregado com uma criança. Afirmava também
que se me persuadisse a abortar e se depois eu me arrependesse, iria
lançar a culpa em mim. Assim, ele pensava que deveria permanecer
totalmente fora desta decisão, completamente imparcial (imparcial!
Imagina!). E assim fazendo, eu não o culparia, num caso ou
noutro.
Naturalmente eu ponho a culpa nele. Ponho a culpa nele
responsabilizando-o por cinqüenta por cento da concepção da criança
e depois recusando-se a tomar os cinqüenta por cento de
responsabilidade na decisão do que fazer com a criança. Sentia-me
profundamente enojada. Acredito que parte de mim sempre os odiará, a
ele e a Jane, a criança que não somente teve a licença de nascer,
mas foi bem recebida. Odeio a sua suposta liberalidade, que para mim
é indiferença. E o que me faz gritar dentro de mim é que nós dois
gostamos de crianças. A idéia que ele tem de uma vida feliz é um
emprego das nove às cinco, que não exija muito dele e lhe dê um
padrão de vida razoável, com uma mulher em casa e um bando de
crianças.
Como eu odeio esta palavra 'criança'. Ele sente-se radiante
quando está com Jane ou outras crianças. Sabe divertir-se com
elas.
Então fiz um segundo aborto. Não podia voltar ao mesmo lugar tão
logo. Fui para outro, a poucos metros de lá. Era ainda mais
fácil. Estava disposta a dizer que nunca tinha ficado grávida e
nunca tinha feito aborto, mas ninguém me fez nenhuma pergunta. Foi
muito mais simples fazer este aborto. Como da primeira vez, disse
apenas que não era casada e não havia possibilidade de me casar com o
pai da criança, e só isso. Este foi até mais barato, custou-nos
cinqüenta libras. Desta vez lembrei-me dos absorventes íntimos.
É pena que a gente não pode voltar atrás. Como gostaria! Apenas
doze meses. Gostaria de reviver apenas este tempo, os últimos doze
meses. Como direi? Parece-me um longo túnel, encontrava-me numa
extremidade dele, grávida. Olhando através dele poderia ver a luz
na outra extremidade. A luz indecisa de um futuro incerto. Ah! não
era ocasião oportuna para uma criança nascer, com todos os problemas
que isso acarreta. Agora estou na outra extremidade desse túnel e
posso ver mais coisas que antes estavam para além do meu horizonte.
Posso ver o que acontece quando se faz um aborto. Posso ver que
rejeitei a sua filha e me livrei de dois filhos meus. Por mais
instável que nosso relacionamento fosse então, não se pode comparar
com a instabilidade que tem agora. Quero dizer: como pode o aborto de
dois filhos, que foram resultado de nosso amor mútuo, servir de base
firme para o nosso futuro? Ele me ama ainda e isso torna as coisas
muito piores, porque me mostra que não havia necessidade de abortar
sob pretexto de instabilidade.
Sei que estou martelando no mesmo assunto. As minhas palavras lhe
dizem alguma coisa? E depois está aí Jane, que felizmente vai
internar-se num colégio em breve. Portanto, eu não estarei sempre
me lembrando daquilo que poderia ter tido.
Aqui está o problema. Não pensamos muito no futuro, não se pensa
que não se pode voltar atrás e trazer de volta as crianças com a
mesma facilidade que tivemos para as eliminar.
Se você já perdeu algum ente querido, saberá o que eu quero dizer:
é algo semelhante: lamentar demasiado tarde as coisas que você não
fez, ou no meu caso, as coisas que foram feitas, e saber, por mais
que se queira, que é tarde demais!
É curioso que nestes dias penso muito em minha infância e uma das
coisas de que me lembro com mais insistência é a tristeza de saber que
não se pode parar o relógio, e de ficar deitada na cama no dia de
santo Estêvão (26 de dezembro) e chorar lágrimas inconsoláveis
porque o Natal passou. Por quê? Por que este quadro se me
apresenta agora a meu espírito? Por que não um ano atrás?
E quanto ao futuro, não tenho a menor idéia do que nos acontecerá:
estamos vivendo à deriva; não quero deixá-lo, mas não estou
realmente feliz com ele. Fico às vezes matutando se meus filhos se
pareceriam com Jane, se seriam mais inteligentes, mais bonitos,
meninos ou meninas. Sei que ele gostaria de ter um filho homem. Tudo
isso me parece muito insensato agora que tenho mais idade e mais
experiência da vida. Transformava pequenos problemas em problemas
gigantescos; e problemas gigantescos - as próprias crianças - em
pequenos problemas.
Não ligava para Jane, não pensava que iria rejeitá-la um dia.
Ela também tinha necessidade de amor, de mais amor do que as outras
crianças, por causa do casamento desfeito, e eu não posso dar-lhe
este amor. Alegro-me de ela ir para o colégio. Ela tem oito anos.
É, talvez muito novinha, mas logo vai crescer e parece que está
gostando da idéia. A ida dela para o colégio diminuirá a tensão
entre Greg e mim. Parece uma boa idéia".
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