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Esbelta e elegante, no seu terninho azul, Janice saía da clínica,
com a bolsa numa mão e os óculos de sol na outra. Dobrou a esquina e
subiu a rua. Então ela viu, um pouco recuado, o letreiro discreto
mas bem legível: Casa da Mãe Solteira. Caminhou um pouco de um
lado para outro, dando a impressão de estar esperando por alguém.
Olhou por cima da cerca. Desapontamento. Não havia ninguém. Um
carrinho de criança, ela podia ver um carrinho de criança na entrada
coberta! Deveria olhar? Não havia ninguém por perto. As
pressas, abriu o portão e entrou. Prendeu a respiração ao
inclinar-se sobre o carrinho azul. Ficou desapontada. Estava
vazio. Devagar, sem preocupar-se se alguém a estava observando,
voltou sobre os seus passos. Seus pensamentos foram interrompidos por
vozes humanas. Levantou os olhos. Duas mães empurravam carrinhos de
criança pela calçada. Mais distante, uma terceira jovem, vestida
à vontade. Grávida. Gorda. E sorridente. Indecente. Teve
nojo. Saiu correndo...
"Parece que tudo isso aconteceu há muito tempo. Parece que tudo
isso é uma coisa do outro mundo. Passaram-se dois anos. Foi
exatamente no dia 21 de abril", recorda Janice, ao falar conosco
em sua casa em Yorkshire.
"Saí correndo da casa das mães solteiras, como se um diabo
estivesse me perseguindo. Finalmente, exausta, voltei para a
clínica, onde meu marido, que tinha chegado logo depois que eu saí,
estava me esperando. Uma coisa estúpida. Não faço idéia por que
fui àquela casa de mãe solteira. Alguém a tinha mencionado na
clínica e eu estava sentindo um desejo incontrolável de ver uma
criança viva.
Tinha feito aborto na tarde anterior e não senti absolutamente nada
até a manhã seguinte, quando, a partir do momento que acordei,
senti vontade de ver uma criança.
Talvez você tenha dificuldade em entender, mas até o dia que se
seguiu a operação eu não tinha pensado 'naquilo' como um bebê.
Quando descobri que meu marido e eu nos tínhamos descuidado e que eu
estava grávida, a resposta foi espontânea: aborto. Sempre pensei
que se ficasse grávida no momento errado, esta seria a solução
ideal. Tínhamos casado somente há alguns meses. Estávamos ainda
montando a nossa casa. Tínhamos muitas prestações a pagar e não
tínhamos nem sequer tapetes. Além disso, queríamos viver alguns
anos sem filhos. Procurei uma casa em que se fazia teste de gravidez
em Birmingham e eles arranjaram tudo. Foi rapidíssimo. Levou só
uma semana a partir do dia em que minha gravidez foi confirmada.
Preencheram muitos papéis na clínica. Fizeram-nos muitas perguntas
sobre a nossa vida sexual e nossos antecedentes. Ninguém nos
perguntou se eu queria fazer aborto. Disse apenas que não queria
continuar a gravidez, que não estava preparada para ter um filho. Na
semana seguinte, apresentei-me com o dinheiro - cerca de setenta
libras em dinheiro vivo - e bastou isto. Meu marido e eu não
discutimos muito o aborto. Falávamos sobretudo da operação,
esperando que tudo corresse bem.
Como disse, só no dia após a operação, é que tive consciência
de que 'aquilo' de que me tinha livrado não era um monte de geléia,
mas meu próprio filho. Só quando ele não mais existia é que se
tornou real.
Quando encontrei meu marido na clínica, disse-lhe que tinha saído
para um pequeno passeio, para esticar as pernas. Chegamos em casa e
senti outra vez uma vontade irresistivel de tocar numa criança, passar
a mão no seu rostinho, sentir a sua pele macia. Este desejo se
tornou cada vez mais forte e insisti em sair naquela tarde para visitar
minha cunhada casada.
Quando ela não estava olhando, peguei a filhinha dela, de quinze
meses, estreitei-a ao peito, olhando pela janela para o jardim que
ficava do lado de fora, imaginando como seria bom se eu tivesse um
filho. Pela primeira vez em minha vida senti o que se chama instinto
materno.
Todos estes desejos fortes que me sobrevieram depois do aborto, tinham
uma característica estranha: eram obsessivos, do mesmo modo que é
obsessivo o desejo de comer em uma mulher grávida. Meu marido e eu
brigamos muito depois disto. Ele não podia entender por que eu
tivesse insistido no aborto e dizia que eu estava ficando doente só de
imaginar como seria se tivesse continuado a gravidez.
Finalmente, irritou-se muito comigo e gritou: 'Se você acha
assim, por que é que fez?' Estarrecida, olhei para ele e desatei a
chorar. Ele tinha posto o dedo na chaga. Eu também via com toda
clareza que não deveria tê-lo feito.
Naquela noite deixamos de usar anticoncepcionais e nove meses mais
tarde nascia o nosso querido Sammy. A gravidez foi o período mais
infeliz da minha vida. Mês após mês, cada pontada, cada
contração me lembrava do 'monte de geléia' anterior.
Pensei que depois que Sammy nascesse eu iria esquecer, que ele iria
substituir o primeiro. Mas não foi assim. Penso no meu primeiro
filho todo o tempo. Este ano, no dia do aniversário, deixei Sammy
com minha mãe durante o dia porque não suportava olhar para ele e
lembrar-me.
Não diria que estou desesperada, mas o meu tormento aumenta cada vez
mais. Amo ternamente Sammy, mais do que a minha própria vida, e
quanto mais o amo, mais me lembro. Longe de desaparecer com o tempo,
o meu sofrimento aumenta com o passar dos anos, e não há nada que eu
possa fazer para reparar o passado".
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